Da Redação – Ode à literatura inédita
A revista que você tem em mãos começa suas atividades em 2016, mesmo ano
em que o “Suplemento Literário” comemora seus 50º aniversário. Para conhecer
um pouco mais da história do jornal publicado pelo governo de Minas Gerais,
a Chama convidou o superintendente de Bibliotecas Públicas e do Suplemento
Literário, Lucas Guimaraens, para um bate-papo. Na conversa, ele conta que
a seleção de material é intensa – são mais de 400 autores entrando em contato
todos os meses para ocupar as 40 páginas impressas bimestralmente –, mas
deixa claro que a seleção é criteriosa, feita por um conselho editorial. Além de
Guimaraens, o veículo tem edição do escritor Jaime Prado Gouvêa e conta com
o trabalho de Eneida Maria de Souza, Humberto Werneck, Sebastião Nunes,
Carlos Wolney Soares e Fabrício Marques.
Quando foi criado o “Suplemento
Literário”? Em 3 de setembro de
1966. Um pouco antes disso, o governador
Israel Pinheiro falou que havia
uma falta, nestas Minas Gerais profundas,
das artes da literatura. E colocou o
Murilo Rubião na ponta de lança desse
projeto. O “Suplemento” foi criado num
momento em que Minas Gerais tinha
pouca visibilidade. Os escritores mineiros
já tinham o hábito de ir para Rio de
Janeiro, Brasília. A produção literária que
permanecia aqui não tinha visibilidade o
suficiente, e, de repente, começou a ter.
E desde o início já eram textos inéditos.
É uma linha editorial do próprio “Suplemento”.
Salvo algumas exceções, o que
a gente busca é dar voz às vozes, como
diria Michel Foucault. Ou seja, pegar escritores
de maior ou menor relevência,
não importa. Até hoje o “Suplemento”
é a publicação em Minas Gerais, talvez
no Brasil, que possibilita novos escritores
mineiros, mas não exclusivamente
mineiros, a terem seus textos publicados,
a dar uma primeira visibilidade. Então,
em 1966 houve essa intenção de criar o
“Suplemento”, e o Murilo Rubião foi colocado
à frente disso. Existia na época o
“Correio do Povo”, de Porto Alegre, e o
“Suplemento Literário”, de São Paulo. Os
dois foram interrompidos. A gente é o
único com continuidade.
E ele sobreviveu aos Anos de Chumbo.
Existe uma entrevista do Humberto
Werneck em que ele fala sobre isso. Na
chegada da ditadura, numa época em
que era difícil desenvolver alguma expressividade
na área artística como um
todo, é o “Suplemento” que consegue
ser um veículo de subversão. Quando
a gente vê a história de músicos, como
Chico Buarque, e a quantidade de técnicas
que eles usavam para que as músicas
censuradas pudessem ser gravadas,
a gente percebe que no “Suplemento”
ocorreu o mesmo. Existiu sempre uma
tentativa de, num primeiro momento,
entregar o texto tal como ele estava. Se
existia alguma recusa, voltava-se com
o texto e fazia-se algumas alterações, o
mínimo possível, para que ainda pudesse
ser subversivo. Nessa época, o
Murilo Antunes publicou um poema
lindíssimo, que chama “Era um Ramo
de Mato Seco”, que eu não sei como foi
aprovado, porque fala exatamente dos
desaparecidos. Mas faz isso por meio da
metáfora, que é a estrutura de linguagem
que permite falarmos sem falar e,
ao mesmo tempo, tocarmos o inconsciente
humano a ponto de isso dar combustível
para seguir em frente.
Como serão as comemorações de
50 anos? Se vamos falar de “Suplemento”
não podemos deixar de falar
dos 100 anos do Murilo Rubião, também
comemorados neste ano. Então
as duas edições especiais serão sobre
isso. Uma sobre os 50 anos do “Suplemento”,
com depoimento e textos que
mostram um Murilo Rubião mais humano,
da redação, dos casos, da boemia,
até realmente tudo o que se passou no
“Suplemento”. E teremos uma segunda
edição sobre os 100 anos do Murilo
Rubião. Vamos buscar novos conceitos,
pesquisadores, críticos literários, e já
temos grandes nomes. Nós teremos
uma grande exposição do centenário
no CCBB (Centro Cultural Banco do
Brasil), onde terá uma grande sala do
“Suplemento”. Também teremos mesas
redondas com grandes intelectuais de
Minas Gerais e do Brasil.
Falta vazão para a literatura mineira?
Mineira. Carioca. Paulista. Gaúcha.
Brasileira. É importante lembrar duas
situações. A literatura é uma expressão
artística e uma expressão cultural. Eu sou
da Unesco e trabalho com uma tese que é
a escrita poética como patrimônio imaterial
da humanidade – quando eu falo de
poética, falo da escrita literária. A poética
tem, em si, a identidade de um povo, os
substratos daquilo que Minas Gerais já
passou, que aquele autor já passou, óbvio,
mas também o que Minas Gerais e o Brasil
já passaram e ainda passam. A gente
tem que entender que a literatura é uma
expressão artística, e, como tal, tem mais
ou menos possibilidade de ser visível, de
ser veiculada. Na minha família, a gente
comenta, quando um poeta reclama
que não tem visibilidade, que é só ler as
cartas do Mallarmé, no século XIX. Ele
mesmo fala: “Olha, eu fiz uma tiragem
de 50 exemplares e não consegui vender
nenhum”. A atualidade da literatura no
país não é tão nova assim. O que a gente
tem hoje é mais consciência da situação.
Por isso mesmo é imprescindível
que a cultura e a educação possam
desenvolver atividades para fomentar a
literatura, e você não fomenta a literatura
sem fomentar o leitor, sem incentivar o
leitor. É isso que propõe qualquer política
pública verdadeira. E o “Suplemento
Literário”, parafraseando o Angelo Oswaldo
(secretário de Estado de Cultura),
que fala que o Murilo Rubião era um
secretário de Cultura avant la lettre (antes
de existir o cargo), já era essa política
pública de democratização, ele é gratuito,
de regionalização, vai para todos os municípios
de Minas, de internacionalização,
ele vai para o exterior. Ele é essa política
pública avant la lettre. Ele não só tem essa
relevância só por ser esse periódico, com
essa história toda que já possui, mas também
porque é um enorme fomentador do
leitor e do escritor.
Existe uma falta de escritores
produzindo um texto com a qual o
brasileiro possa se identificar? Não
nos faltam escritores, mas talvez nos
faltem intelectuais. O escritor era muito
ligado ao intelectual, à academia, àquele
que circula nas artes plásticas, àquele
que circula na própria literatura, no
cinema, nas outras formas de expressões
artísticas. Se você entrar no site Enter
(www.oinstituto.org.br/enter), da Heloísa
Buarque de Hollanda, vai ver que lá
existe essa coisa da contaminação o tempo
todo. A gente não tem que ter medo
de ser contaminado, mas a gente tem que
ser forte o suficiente, ou bem estruturado
o suficiente, como escritor ou como
leitor – são os dois lados da mesma moeda
– para ser contaminado, sim, mas sem
perder contato com o nosso leitor, que é
o povo brasileiro. Agora, quem é o povo
brasileiro? Aí vem outra pergunta. Em
que ele se vê representado nessa política,
nessa atualidade dos memes? Nessa
identidade das redes sociais em que
toda mídia falaciosa se transforma em
ponto de referência, se transforma, inclusive,
em pauta de pesquisa intelectual
acadêmica. Que você não busca as fontes.
A gente tem que pensar, que Brasil é
este que existe? E, do meu ponto de vista,
a questão também é personalística e pessoal
do escritor. O escritor está ali, num
ato solitário, e vai desenvolver aquilo que
ele consegue ou pode fazer. Mas, ao mesmo
tempo, se você pensar nessa conexão
com o mundo, com Minas Gerais, que
Minas Gerais é essa que quer ser lida? E
quando eu falo de Minas eu falo de mim,
não é do governo, não. O que você quer
ler? E outra coisa: aquilo que eu quero
ler, que você quer ler, tem que interferir
na criação artística? E de que maneira
isso deve ser realizado? Por isso eu falo,
isso pressupõe, querendo ou não, a base
intelectual do escritor para que, de fato,
ainda que ele se contamine pelo mundo,
saia vencedor, saia brasileiro.