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André Villani

sempre me perguntei
para que servem as mesas de centro
tudo gira em torno delas
não é mesmo, querido?
na sala de estar, os cristais
os papéis de parede
o piano e o sorriso
das visitas em torno da mesa
porque estamos de rodeios
de visitas a outras salas
dentro da nossa própria casa
você nunca se perguntou, querido
por que temos um aquário
encostado entre a sala e o corredor?
você consegue ver, querido? você vê?
por entre as águas e as algas
as bolhas de ar e as ovas
dos peixes que não se cansam de se dar
e de sorrir de volta
para o vidro do aquário
encostado entre a sala e o quarto
o corredor
você vê, querido? as plantas
de plástico azulado
sobre pedrinhas coloridas
uma dança interminável de escamas
entre um jato e outro
as visitas
você sabia, querido, que os peixes
trocam de sexo a depender
das cores das águas?
mas não se preocupe, querido
não quero fazer escândalo
temos closets separados e
duas buchas diferentes
penduradas na torneira do chuveiro
do banheiro do nosso quarto
as nossas escovas de dentes
também são de cores diferentes
não se confunda, querido
as cerdas não se cruzam
como as orquídeas sobre a mesa
e as algas espetadas no aquário
entre as bolhas de oxigênio
jorradas na água
para os peixes deslizarem
para os peixes respirarem, gozarem
e eu, querido, eu não consigo,
eu não fico no mesmo vai e vem
por isso mesmo, vai
descansa, querido, respira,
repousa, com calma
porque eu quero a dança sem escamas
fora do quarto, fique aí
eu vou para a sala seguindo a dança
deixo as roupas por aqui
as visitas estão sorrindo, querido
dançarei para o meu quase reflexo
nu pelo vidro do aquário
para te enxergar do outro lado
não se preocupe, querido
estarei de corpo só
sobre a mesa de centro
você vê, querido? você vê?