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Bebedouro dos burros

Raphael Morone

As luzes amareladas já não iluminam como em 1958
as luzes brancas iluminam como um supermercado no Funcionários
os morcegos que habitam os arvoredos da Afonso Pena estão lá
mas não dançam valsas e polcas como antes
devoram tímidos as frutas que encontram
os gatos do Parque Municipal dormem no carrossel
cavalo sim, cavalo não, alternadamente
os fícus faziam túneis como aqueles canais de Santos
dizem que era possível caminhar sobre, inclusive fazer casas neles
nos canais haviam dúvidas do risco de cair na água salgada trazida na maré
As crianças mais antigas, as que já não estão mais
diziam sobre um jogo feito nas manhãs de domingo no parque
uma a cada estação
saíam desembestadas em busca da nascente
rumavam desde a praça do sol, percorriam cada um dos lados do Parque Municipal
pediam auxílio aos marrecos carrancudos, ouviam pistas erradas dos micos
tropeçavam nos matos mais altos: um joelho ralado de leve
símbolo de valentia
e continuavam
até o momento em que, no limiar dos primeiros barulhos
das famílias, dos pipoqueiros, da vida,
ouvia-se um som
um som primordial que vinha de uns pedregulhos, escondidos no verde
e a cada conchinha feita com as mãos, levada à boca
não havia vencedores nem vencidos