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À hora muda

Viviane Monteiro Maroca

somam-se uns aos outros
na folhinha permanente da parede
os dias que não valem a pena serem vividos

o calendário já não marca quanto falta
apenas estampa
a inutilidade das efemérides
dos dias todos iguais
todos eles inabitáveis

o som vítreo da rua
penetra a vigília
e dita o timbre das noites
em que não cabe sonhar

o som da insônia range em pentâmetro iâmbico
e marca
acelerado
a sucessão de biltres
desditas
delitos
e desacelera a recitar obituários
de nomes desconhecidos
de rostos que nunca vi

trinta e oito mil vezes repicam
minhas inspirações e expirações
e tropeçam
uma vez a cada minuto
sobre um corpo abandonado

cedo ao sono
a enumerar as coisas que existem
intocadas
por fora das quatro paredes
dedilho meus braços e me desperto
pois o tempo reclama o toque
e não se pode saber
qual vida resiste por detrás do concreto

inútil calcular

contenho-me o diafragma
e temo – então –
celebrar as vidas que perseveram
e evocar o mau agouro que espreita
dos parapeitos
à hora muda

para vir nos fitar entorpecidos
por sobre os nossos lençóis

resisto a contar as lágrimas
e os corpos inertes
e as cruzes arrancadas das valas e atiradas ao chão

chorarei nossos mortos em pranto seco e sem soluço
no silêncio das noites não dormidas
para que não nos saqueiem
até mesmo
os epitáfios

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