Enquanto dançamos ao redor de seus medos
Pedro Bomba
Atenção, companheiras e companheiros da América Latina, aqui é uma mensagem sobre o mundo. Convoco-lhes a imaginar o momento em que romperemos as ruínas, limparemos os escombros. Não estamos em guerra. Estamos em guerra, a menos que o primeiro mundo queira nos massacrar, a menos que os governantes latinos, assim como nós, queiram nos massacrar fincando estacas em nossas vidas, a menos que os ricos queiram a exploração no lugar da vida. E eles querem, todos querem. Estamos em guerra, companheiras e companheiros. O lugar que estamos precisa de uma saída, uma fresta, uma brenha. Explico-lhes: a brenha é a brecha que teremos para assolar as noites dos poderosos. Que eles não durmam ou durmam com essa. Que a mão da justiça e da revolta surja para enfiar cada dedo na goela dos poderosos para que eles vomitem em suas vestes, para que comam da própria merda que produzem.
Aqui por onde há fala, não retiro sequer uma palavra, não contém pausas daqui de onde falamos. Digo: estamos criando uma estratégia política na nossa terra capaz de mudar nossas vidas. A partir de agora, decidimos em conjunto que não mais daremos alimento ao medo. Cortamos todas as refeições do medo e o amarramos na entrada de nossa terra. Ele está lá, o medo, sem comida, sem água. Deixaremos até o dia que seque por inteiro, sobrando apenas seus sapatos. No lugar, porém, estamos alimentando nossas raivas. Levando à raiva três refeições ao dia e à noite cantamos à raiva para que ela se acostume com nossas vozes, para que identifique seu povo, sua terra. Cantamos todas as noites para que a raiva cresça cada dia mais, para que ela se levante com suas pernas firmes e consiga caminhar. Assim que isso acontecer, que não tardará, assim que a raiva sair caminhando, montaremos em suas costas e correremos mundo vingando a História. Todos aqui da nossa terra estão prontos para montar em cima de suas raivas, todos sabem o canto do agora, que não é o canto da alegria, não é o canto do medo, da tristeza, da solidão, companheiras e companheiros, o canto do agora é o canto da raiva, e esse canto se espalha por todo território latino. Daqui de onde falamos estamos nos munindo. O mundo não era bom antes de tudo isso, O mundo é essa guerra incessante por dinheiro. Estamos em nossa terra fazendo com que as angústias não dirijam mais nossas noites, porque são as noites os momentos mais propícios para enviar essa mensagem a vocês, porque nossa mãe está acordada nos olhando dormir, preparando o dia seguinte, o dia em que queimaremos os poderes, as aquisições, o dinheiro, a mordomia, os estoques, as ganâncias, as exclusividades. Queimaremos não com fogo, mas com o atrito das patas de nossas raivas, com o fogo que sai pela boca que não queima, mas destrói. Não estamos à espera de nada, estamos em vigília, atentos aos sinais de qualquer ataque, prontos, companheiras e companheiros, estamos aqui em nossa terra, prontos, não para a batalha que já é secular, mas para a guerrilha, para nos transformar em bichos corroendo as riquezas, bichos conscientes da guerra secular que travaram contra nós. Falamos em nossa terra, e ela está em todo lugar, ao redor das casas, avenidas vazias, cidades fechadas, palacetes, casarões, corporações, estamos invisivelmente instalados corroendo o homem, pois é o homem a força destruidora dos tempos, corroendo o modo homem de ver o mundo, de conversar com o mundo, de amar, de matar, de fazer doer o mundo, essa força-homem de guardar seus segredos, de fingir, de mentir, de debochar. Esse mundo-homem–dinheiro em que vivemos, que quer nos impedir de reagir, que quer que a gente sinta medo e tristeza, pois, por ora, assim que nossas raivas derem o primeiro passo, correremos em direção ao grande homem, aos grandes homens, e capturaremos todas as suas certezas e as amarraremos na entrada de nossa terra e deixaremos morrer de fome enquanto cantamos, à noite, ao redor de seus medos.