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Plantio Juliana

Juliana Faltz Martins

Sonhei com uma mulher que capinava a cidade. Arrancava prédios, casas, postes, placas, carros. Tudo o que via pela frente, menos aquilo que a terra pariu. Tufos de terra voavam enquanto batia a enxada com força para arrancar tudo até a raiz. Temia que se deixasse resquícios pudesse crescer tudo de novo. Era preciso arrancar fundo, até a raiz. Arrancava com urgência. O suor está em todo seu rosto, desce por todo seu corpo, mas ela não descansa.

O cansaço vem, mas ela não esquece a urgência.

Mesmo apressada, lembra de olhar o sol, o sente, sorri para ele porque sabe que para construir bonitezas em cima dos escombros é preciso boniteza dentro de si.

Juntou-se à mulher gentes de todos os cantos, uniram-se pela urgência. Sentiam-se cegados, e queriam ver. Queriam ver bonitezas. Queriam que os prédios não disputassem mais atenção com o céu. E para além do céu, queriam ver o horizonte que a cidade esconde. As bonitezas do horizonte são misteriosas, têm o poder de fazer utopia virar verbo. Capinavam ansiosos e sorrindo. Quando acabaram não viam terra, pisavam nos restos da cidade. Como se constrói o novo em cima do velho? Até pensaram que poderiam tapar cada pedacinho daquele velho Brasil, mas tinham medo de que aquelas sobras trouxessem maldições. Decidiram então enviá-las ao remetente, não por vingança, mas porque não queriam mais aquela cidade que era de tão poucos, que era muito mais um projeto de outros tempos de Portugal, do que verdadeiramente nossa. E o Brasil foi riso. Por todo país, gargalhadas escrachadas imaginavam a cara de espanto dos nossos colonizadores ao descobrirem que voltamos a enxergar. Neste dia festejamos, todos juntos, numa mesma mesa, numa mesma casa.

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