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Brochadas ou as razões para escrever

Jacques Fux

Eu me lembro exatamente do dia em que
comecei a escrever o “Brochadas”. Depois de viver um
romance maravilhoso, repleto de sonhos, planos e mudanças,
porém extremamente conturbado e violento,
ganhei um inesperado e miserável pé na bunda!

Naquele fim de semana tudo caminhava bem. Apesar
das discussões tradicionais, acabamos acertando todas
as nossas desavenças, tivemos uma fantástica e
tórrida noite em que os corpos e as almas finalmente
se encontraram e nos despedimos certos de que uma
nova vida a dois teria início. Ela saiu do táxi em direção
ao seu trabalho com um lindo e amoroso sorriso.
Eu retribuí com um beijo caloroso e saboreei
uma sensação de que finalmente tudo estava nos
eixos e que poderíamos viver uma vida tranquila
dali para frente. Grande engano. Três dias depois,
de forma completamente inesperada, recebi uma
mensagem no WhatsApp colocando um fim doloroso
em todos os meus devaneios, planos e desejos
em relação a ela. A vida, o “real”, o possível, é exatamente
o que acontece nessas horinhas de completo
descuido.
Nós nunca mais nos vimos. Nós nunca mais
nos falamos. Nós nunca mais soubemos notícias do
outro. Ela ficou tatuada em mim por muito tempo.
Eu a vi diversas vezes saindo daquele táxi, com aquele
maravilhoso sorriso e com aquela segurança do nosso
futuro. Essa cena cinematográfica – feitiço do tempo,
talvez tenha se repetido em mim por insólitas eternidades.
Se eu soubesse que aquele momento seria
o último teria feito tudo diferente. Eu não deixaria
jamais que ela saísse daquele táxi. Eu não deixaria
jamais que as nossas bocas e os nossos corações
se separassem. Eu não deixaria jamais que nossos
sonhos não fossem mais os mesmos. Mas a vida é o
imponderável. O imprevisível. A contingência. A brochada.
Aquele sorriso ainda cintila tragicamente na
minha memória… ela partiu, partiu e não
deixou nada… apenas aquele sorriso perverso
de Cheschire.
Se nada disso existe mais, e se nada
disso subsiste, nem mesmo nessas minhas
memórias fracas e inventadas, qual o sentido
de tudo? Será que é preciso que algo
realmente faça sentido? Acho que não. Mas
naquele momento eu quis eternizar a dor.
A minha dor falseada, as minhas reminiscências
dissimuladas e a sombra dos meus
desencantos perdidos. Resolvi escrever, e
fazer piada, sobre todas as desilusões vivenciadas. Resolvi
encontrar distintas veredas e quimeras. Resolvi
desvairadamente inventar novos párias como eu.
O livro (assim como a literatura) nasce do
desencontro. Do desencanto. Da desilusão. Da falha.
Da brochada. Nasce da tentativa de compreender o
imprevisível. O casual. O contingente.
Surge como mais um experimento
literário que pretende inutilmente capturar
a vertigem, o fugaz, o esvaziamento.
A gente não consegue controlar absolutamente
nada. A gente, apesar de sonhar,
de desejar, de buscar transcender, é sempre
apunhalado pelo mistério. Mesmo
diante da ilusória certeza, da enganosa
segurança tênue do amor, da traiçoeira
convicção de estar vivo, somos insultados
constantemente pelo acaso.
Acredito que seja nas desilusões,
então, que os seres humanos acabam se
unindo. “Brochadas” é, portanto, um
livro que nos une através da frustração.
A frustração das mais variadas histórias
que não deram certo (ou que deram certo
até demais). O livro fala de inúmeras
decepções amorosas, literárias, literais,
históricas, metafísicas, masculinas,
femininas, religiosas, sarcásticas, cômicas.
Conta causos e brochadas comuns
e também gozos e gozadas excepcionais.
Flerta com o erótico, com o
pornográfico, com as histórias íntimas
e recalcadas de cada um. Brinca com
cheiros, perfumes, personalidades, ídolos,
mitos e com a religião. Descontrói
certezas. Edifica dúvidas. Debocha da
dor. Glorifica a perplexidade.
Assim, depois de uma longa e
laboriosa pesquisa,
o livro chega ao seu
êxtase provando que
ninguém está sozinho
(somente o Ziraldo,
aquele que, segundo
a sua própria lenda,
nunca brochou!).
Que todos nós, ricos,
pobres, nobres,
célebres, mentirosos,
religiosos, famosos,
genocidas, abstêmios, virgens e putos brochamos.
Brochamos e necessariamente
não compreendemos. Brochamos e, ainda
sim, precisamos viver e encarar erguidos
essa inverossímil vida repleta de amores e
constantes pés na bunda.