Sem solidão ou os benefícios dos grupos on-line para autores
Thiago d’Evecque
Escrever é uma atividade fundamentalmente solitária ,
mas o processo de escrita vai além de colocar palavras na página — o feedback é indispensável
para o autor aprender e crescer. E enquanto o feedback da família e dos amigos
próximos é útil no começo, promovendo confiança e autoestima, essas opiniões dificilmente
são imparciais. Ainda que bem-intencionado, o puxa-saquismo amoroso tem sua
utilidade limitada (“Tem razão, vó, é mesmo uma obra-prima da literatura mundial!”).
Com o tempo, o autor percebe que a crítica construtiva de pontos específicos da escrita
não só é bem-vinda, como desejada.
Onde encontrar esse tipo de retorno
objetivo, além de técnico, de quem
está do mesmo lado da força que você? Os
grupos de leitores e autores são uma opção
atraente. Provavelmente o título do artigo
já deu spoiler da resposta.
Pode ser difícil encontrar um
grupo local, na sua cidade, para esse fim.
Além de ser inconveniente tentar reunir
pessoas no mesmo lugar e horário, seria
um encontro estranho — precisaria de
pauta e de contato humano, coisa que escritores
não estão habituados. Seria como
aquelas reuniões de condomínio, onde o
síndico fala e você encara a parede com o
olhar fora de foco, imaginando o que pessoas
felizes estão fazendo.
Por outro lado, praticamente
todas as pessoas do nosso tempo com a
tendência masoquista de escrever possuem
computador e acesso à internet.
Entrar em um grupo on-line é uma maneira
conveniente e prática para receber
(e, claro, fornecer, porque quid pro quo,
Clarice) o precioso feedback. Mas a utilidade
dessas comunidades vai além.
Aprendizado e oportunidades
O aprendizado nos grupos on-line não se
resume a “escrever melhor” — os assuntos
podem envolver desde estrutura narrativa
até mercado editorial, produção de capas,
ética, profissionalismo, marketing e por aí
vai. E o alcance das conversas não se limita
às suas dúvidas; você vai ouvir sobre temas
que nem imaginava. Tudo isso sem contar
o feedback do material que você envia,
recebendo em troca conselhos honestos
sobre o que funciona e o que não funciona
no texto, do ponto de vista de leitores
e autores. Esse aprendizado equivale, sem
dúvidas, a aulas de escrita.
Mantenha-se atento apenas para
quem gosta de delimitar regras extremistas
sobre como escrever. Não há regras, há o
que funciona para você.
As comunidades também promovem
oportunidades: convites para antologias,
participação em eventos, publicação.
Escrevo este artigo por indicação
de uma amiga do Clube de Autores de
Fantasia (CAF), por exemplo.
Tudo depende de você, do seu interesse,
da sua participação e, claro, da sua habilidade de ser
um indivíduo de convivência pacífica.
Perspectiva
O contato com outros escritores te dá perspectiva quanto
à escrita. Quem nunca sentiu que devia estar fazendo algo
mais produtivo do que “apenas” escrever? Quem nunca se
sentiu frustrado por um bloqueio ou por se sentir tecnicamente
inferior? Quem nunca teve vontade de terminar com
a namorada porque ela não entendeu uma referência superlegal
e óbvia no texto sobre um game japonês obscuro da
década de 1980?
Talvez a última seja apenas comigo, mas o resto
também é uma segunda-feira qualquer na minha vida. Sentir
dúvidas e insegurança é normal, e ter com quem dividir
essas frustrações ajuda. Você conhece outros adoráveis seres
sapientes que dividem o mesmo fardo que você, passam pelos
mesmos desafios e precisam do mesmo
ombro amigo virtual.
Modo cooperativo
A vida, assim como no videogame, é mais
divertida quando se joga no modo cooperativo.
Tá, nem sempre, mas geralmente
sim.
É difícil arrumar amigos na “vida
física”, por assim dizer, com os mesmos
interesses. A grande frustração da minha
adolescência é ter amado RPG de mesa e
comprado dezenas de livros, dados, cartas
e bonequinhos, mas nunca ter conseguido
um grupo para jogar.
O CAF, no meu caso, preencheu essa lacuna no
equivalente literário e artístico. Eu achei uma comunidade
amigável, com diversidade de pessoas e gostos, onde posso
conversar sobre assuntos que não teria como fora dali.
Às vezes, não podemos contar nem com o apoio de
família e amigos. Eles nem sempre entendem o caminho que
estamos percorrendo. É normal. Nos grupos on-line, o seu
caminho é o caminho de todos.
Há inúmeras outras vantagens, mas espero que essas
tenham despertado o seu interesse.
Também deixo uma precaução. Se você já usou a internet
por mais de cinco minutos, pôde perceber que, on-line,
algumas pessoas tendem a mostrar o seu pior lado. Pense com
cuidado sobre com quem dividir a parte artística da sua vida.
Pesquise sobre os grupos e seus membros, veja se eles dividem
os mesmos ideais e objetivos que você.
Se um grupo assim não existir, por que não criá-lo?
E, por último, contribua. Pergunte, ajude, pesquise,
converse, interaja, incentive. Os grupos são compostos por
pessoas. Eles são tão úteis e agradáveis quanto seus participantes
os tornam. Seja um elo forte da corrente.