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Elegia 2019

Gabriela de Andrade Pereira

Ela sente seus cabelos despenteados,
fio a fio,
contra a vidraça.
Seus dedos ostentam unhas malfeitas
enquanto seguram um cigarro –
sua mínima chama
contrasta com os ângulos retos dos prédios:
horizonte possível.
A boca ainda está amarga –
e se aprendesse a beber?
E se o rímel que escorre misturado às lágrimas,
formando um sulco nas maçãs saltadas,
imitasse a fúria
da cidade que corre indiferente
abaixo dos seus pés
e rasgasse-lhe a pele,
cortasse-lhe o pulso,
expondo o vermelho-sangue
em grossos fluxos?
Talvez então ninguém notasse –
e seu vestido novo,
os seios ofegantes
e a boca de desenho exato
e carmim
seriam reduzidos a uma janela
por muito tempo apagada,
a boatos ditos à surdina
e a um obituário seco –
acaso ainda
se escrevem obituários?